sexta-feira, 29 de abril de 2011

Crônicas da Crisálida



Gosto das nuvens de tempestade,
Mas não necessariamente da chuva;
Ela não me incomoda, mas ao meu bem vestir,
É outra história completamente diferente.

E enquanto aguardo, observo incólume,
O dia chorar desesperado, 
Por há muito ter-nos abandonado,
Sem saber por que, se, no entanto,
Sua hora não havia chegado.


Quieto, assisto o apoteótico espetáculo da fúria dos elementos,
Enquanto combato, imóvel, a mim mesmo,
Em busca de meu eterno reflexo perdido.
E perdido, perdi-me a vaguear pela tempestade, ao som de sua música:

“Kraka-Doom!”

SLASH                  SHRED                  MANGLE


Palavras desconexas, quase onomatopeias,
Que fluem, repetidas num padrão lento, pausado e caótico;
Me lembram o que aconteceu da última vez.

Se fechar os olhos, posso me lembrar da cena com perfeição;
Mas, volto momentaneamente minha atenção para Fumiko,
Avisando-me que o banho quente está pronto.




Deixo o robe cair displicentemente pelos braços,
Enquanto me dirijo à banheira.

Aconchego-me no recosto da peça de mármore fosco,
E permito-me relaxar com o banhar-me,
Que está maravilhoso.

Baixo minhas pálpebras e relaxo...
Imagino os primeiros curiosos invadindo a casa,
Abrindo a porta, eliminando a penumbra existente.





















Abro os olhos e passo a contemplar os meus cabelos...
São tão grandes e lisos, que escorrem negros,
Como a treva mais profunda,
Escondendo parte de minha fronte,
Deixando-a mais soturna.
  
Pouco depois, Fumiko surge detrás de mim
E começa a lavá-los carinhosamente.
O sabão em meus olhos, longe de incomodar,
Turva a visão, lavando a realidade e projetando nova cena:

 
Agora veem a garota.
Sim, é uma garota,
Deitada neste chão imundo e descascado
Pelo tempo e abandono.
Apesar da falta de luminosidade,
É possível distinguir-lhe as feições:

É jovem, donzela ainda.
Seu cabelo louro-castanho
Contrasta bem com seus olhos verdes,
Bem abertos e estáticos,
Demonstrando uma estranha serenidade
E até um esboço de alegria,
Confirmado por um tênue e tímido sorriso no canto
De lábios tristemente escoriados.



Fumiko enxágua meus cabelos,
E me desperta momentaneamente de minhas divagações.
Não sei se por zelo, ou por descuido,
Acabou retirando-os da sua posição de guardiões
De meus pobres olhos sensíveis.

Isso me cega dolorosamente,
Mas, ao mesmo tempo,
Me conduz à próxima cena,
Que é amaldiçoadamente clara:




Flashes insanos,
Murmúrios catárticos,
Lâmpadas estroboscópicas,
Pessoas entrando e saindo,
Janelas sendo arrancadas à força;

“Deus do céu”, “Jesus Cristo”,
Eles dizem, como se seus
Aconceituados e indiferentes deuses
Fizessem algo para mudar o ocorrido.

É possível ver todo o cômodo e seu conteúdo.
Há gotas de sangue seco por todas as direções.
O que restou da indumentária da jovem,
Está espalhada de forma fragmentária e caótica
Pelos arredores do aposento, se misturando a imundície já existente.

Se não fosse o fato dela estar, como eles diziam vulgarmente,
“Em tiras”, ela estaria linda, mesmo morta.


 




Vou até a cama onde estão minhas roupas, 
Já preparadas para vestir.
Um Armani, preto, e a capa, estilo Era Vitoriana.
Está impecável, além de ser uma ótima escolha.
Fumiko está de parabéns.

Me dirijo à porta e digo-lhe para não me esperar para o jantar.
Só então imagino a cena final, onde, finalmente,
No local do crime, legistas, oficiais e curiosos descobrem 
E se perguntam:





“Onde foram parar quatro litros e meio de líquido do corpo da garota?”



* * *
Suspiro


 

Por mais que tente, o filho pródigo sempre retorna...
Mesmo quanto mais desejar ver-te perdido nas Névoas do esquecimento,
Mas as suas grades virão firmes até mim?

Maldito seja, ó ossuário deprimente, 
Com toda a sua gente,
A chorar, deste lado e do outro, hipocritamente.

Parece que estou sempre a tua porta,
A meio caminho da ida e da volta,
Sabendo que, a qualquer dos dois que seja,
Não há volta.

Por enquanto, tenho passe livre,
A ambos os reinos, mas em breve,
Deverei decidir o que quero.

Eu o odeio. Mas, quantas vezes mais lhe direi:
“O visito pela última vez?”

A cada visita, um novo juramento.
E, desta vez, é por ti, só por ti, minha pequena,!
Só mesmo você, para me fazer visitar
Carcomidas cercanias de casas cadavéricas
Por livre e espontânea vontade.



Não fosse o vento frio, o nublar furioso do céu
E a probidade eminente da chuva, é provável que não estivesse aqui...
Mas é uma garota esperta, e sabia que eu viria...

Lembranças amargas vêm à mente.
Elas são o resultado de escolhas desagradáveis.
Quem podia fazer algo a respeito, se gostavas tanto de relações perigosas?

E, uma vez decidida de algo,
Não havia apelo ou retórica capaz de lhe demover de uma decisão.
Por isso, o que aconteceu era inevitável;
Uma questão de tempo.

Como posso, então,
Não me sentir responsável,
Após tudo que aconteceu?

Culpa, arrependimento?
Estou além destes sentimentos mundanos medíocres.
Dor? - nem preciso senti-la, com tantos a tomá-la para si,
Exigindo vingança para corações, que não são os seus, partidos,
E lágrimas, que não são suas, derramadas.




Conheço bem o tipo, que vive a punir sectariamente, 
A seu bel-prazer:
Todos aqueles que não façam parte de seus padrões hipócritas 
De perfeição.
Vêm cobrar a mim o cheiro de morte em minhas mãos,
Sem querer enxergar o quanto de sangue têm nas suas.

Avisto-os agora, mas já sabia de suas presenças há tempos.
Santíssima Trindade, toda de negro e óculos escuros,
São na verdade anjos decaídos, tão demoníacos quanto eu.

“Prepara-te, facínora, que teu reinado de terror está prestes 
A terminar.
Renda-se e prometo ser indolor”.





Dama-demônio, tu dizes:
“Faz deste poso tão teu, tua morada”.

Desarrazoa a razão.
Partam agora e me deixem a sós com minha dor,
Que a mim é suficiente.
Aproveita-te que nada tenho contra ti,
Vai-te embora, e esquecerei que um dia lhe conheci.

Ai, de minha fúria, se recair sobre vós;
Pois vosso sangue se tornará fel
Não mais haverá nada que se possa fazer.

“Não há escapatória - conhecemos tuas fraquezas!”
Grita capo em transe em sua afirmativa.

...

Canta, brisa, canta, pois ninguém tem mais nada a dizer...
Sê a juíza de nossa justa e testemunha...

...


...

...
TapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTap

SLASH!!!

TapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTap

SHRED!!!

TapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTap

MANGLE!!!


Acabou, minha pequena...

Acabo caindo sentado sobre a terra molhada,
Com as mãos apoiadas nos joelhos.
Permito-me uma risada cansada,
Mais por esforço do pulmão que qualquer outro motivo.

As flores de cerejeira que lhe presenteei ainda estão aqui, intocadas.
Beijo a ponta de meus dedos, ainda de luvas,
Transmito o meu ósculo sob a forma de carícia
Neste seu único objeto que sobrou para lhe representar.
Essa foi a despedida, adeus.

E mesmo que os deuses em que acredite não seja mesmo como os seus, AMÉM.

Um comentário:

  1. Atrasado. Era para postar ontem, mas deu trabalho para pegar as imagens e ajustar o formato de publicação.

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