quinta-feira, 21 de julho de 2011

Teogonia - parte 12

Agora, neste ponto da história, chega a hora de examinar os trágicos eventos
Daquele que foi conhecido como o mais conhecido desastre celeste deste orbe,
E mais ainda, uma vez que será conhecido pelo ponto de vista do vencido, eles
Que contam como foi a queda do astro celeste, que para sempre a tudo mudou
Separando leste e oeste, partindo o reino e continente em terras de brancas areias.

Exterminando vida e criando uma outra muito mais funesta, o deus fendido, oh,
Desgraçado, queimado e maculado, tende piedade, oh sem-nome-agora-Pousson,
E permite que seja contada vossa história, seus dias de vida em glória e sua terra,
Seu povo, sua honra, sua história e sua glória, antes da queda, e do fado do destino
Que lhe coubera ser houvera, muito pior do que a morte; deixai cantar vossa ode:

Houve antes uma era numa história pouco relembrada, onde havia uma terra sacra,
E também muito fértil, onde seu deus criou seu povo para viver em plena harmonia,
Respeitavam Mikra, a natureza e com ela se tornavam o meio, nem bons nem maus;
Seu comportamento variava, suas tradições cresciam e o povo se dividiu em tribos;

E as tribos separadas criaram divergências entre eles, se diferenciando entre si,
Até que se não mais eram um só, dividindo apenas a sua origem divina comum.
Com a queda, o nome e a lembrança de como eles eram perdeu-se totalmente.
São um povo dividido em crenças, ações e comportamento, ainda que goblins.

Então, um dia houve a Grande Queda, e o Céu desmoronou nas terras deles.
Tudo ardeu e queimou por todo o dia e a noite, partindo todo o firmamento.
O continente fora dividido em dois e nunca mais as coisas seriam como antes.

O próprio deus daquela terra foram embebido nas chamas amaldiçoadas,
Viu toda sua terra e seus filhos perecerem, e mesmo sua carne deformar.
Uma maldição terrível que haviam jogado sobre ele, mas por qual pecado?

O deserto inconsolável e insondável era tudo o que restava até dava a vista.
E a luz odiosa, voltava ao céu toda hora, para queimar novamente os párias.

Como se já não fosse ruim, uma praga surgiu ali, maldição e terrível doença,
Dos que sobreviveram ao queimor, padeceram doentes e logo pereceram.

"O que havia feito para merecer isto, Pospór? Sua guerra não era com Zaur?"

Quem imputa esta frase ao deus maculado, fala de fora de suas terras com certeza.
Embora certos eventos sejam fato comprovado, muitas é indevidamente imputado.
Ele soergueu seu povo, e sensíveis, os fez odiar a luz, dando-lhe hábitos noturnos.
Ele se tornou portador da doença e deus que a propaga; nem sempre ele foi assim;

Seus filhos, os tornou resistente a maldição do deserto e doença terrível que ela era;
A eles também ensinou os caminhos de poder, onde podiam trilhar nele sem medo.
Também mandou seus filhos se espalhar pelo mundo e punir os defensores da luz,
Tomar deles tudo, como um dia deles, tudo fora tomado e levado ao nada original.

E curiosamente, foram justamente aqueles que mais se afastaram de suas origens,
Que continuaram seguindo estes ensinamentos, os iconoclastas e vândalos orcs.
Seguem num furor destrutivo, avançando como um doença que se tornaram.

Os demais variaram muito em seu comportamento, de respeito a repúdio ao seu deus.
Os goblins, pequenos e astutos, migraram para as montanhas disputando-as com anões.
Os hobgoblins, se organizaram, abandonando Pousson e favor de Kursak, a guerra.
Os bugbears, foram patronados pelos hobgoblins, para evitar cair na barbárie orc.

E embora estes sejam os principais inimigos comumente citados, por trazer a praga,
Pela destruição, roubo, desejo de conquista ou invasão e demais crimes relacionados,
Não podem ser creditado culpa por tudo que existe, nem mesmo o seu deus Pousson,
Pois há muito mais no deserto maldito em histórias, lendas e outras versões dos eventos.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Teogonia - parte 11

Após certa calmaria, uma onda migratória e de exploração trouxe à tona nova sorte de eventos.
Insuflou os deuses o desejo por alianças, mais territórios e conquistas, progresso, assim diziam.
se realmente estes intentos foram alcançados é algo discutível, mas novos rumos eles trouxeram.

E eis que veio do outro lado do deserto uma deusa estrangeira e foi parar na corte de Dankir.
Não apenas sua língua era estranha, mas seus modos e costumes, causando tensão e agonia.
Com extensa maquiagem e roupas esquisitas, tal qual seus serviçais com belas túnicas sedosas.

Seu nome era tão complicado quanto seu idioma; Tao rizi e en-ne era ouvido dela e seus servos.
E o povo acabou por nomear a exótica divindade de Riziene, Rishiene e por fim era de Hishiene.
Longe da verdade, Liyi Dashi era uma deusa de etiqueta e formalidade, e tais coisas suas frases.

Além de vir para gerar bom relacionamento entre ocidente e oriente, a deusa trazia notícias
Os deuses orientais também haviam passado por uma terrível guerra, vencendo a alto custo.
Além disso, vinha como noiva prometida de um deus do ocidente para selar aliança mútua.

O deus da Justiça era o candidato ideal, o que causou enorme comoção no panteão celeste,
Afinal, todos bem sabiam que Dankir era casado e já tinha três filhos, um absurdo, parecia.
Neeria não podia aceitar e achava absurdo tal documento da corte estrangeira que isso dizia.


Mas Hishiene portava-se inflexível, irredutível, informando que seguiria sua ordem imperial.
Dankir, então, para seguir seu domínio da Justiça pediu aconselhamento de seus três filhos,
E no final acabou fazendo o impensável: criou a Lei do Divórcio e baniu Neeria para Sygnus.

A deusa partiu cheia de pesar e fúria, não entendendo motivo para tal comportamento.
Levou consigo além de suas coisas, muitos dos segredos torpes dos deuses celestes.
Surpreendentemente, alguns servos de Hishiene, abandonaram sua mestra seguiram-na.

Estes, achavam injusto o comportamento dos deuses, especialmente Dankir o que clama,
E sabendo que teriam desconfiança e receio, fizeram acampamento perto da cidade dela,
E se comprometeram a ser a primeira linha de defesa de seu povo, para provar serem leais.

Essa amargura, dizem resultou em terríveis experimentos ou descobertas da deusa desamparada,
Que no final de tudo, resultaria na existência de uma ameaça que levaria ao fim de sua existência,
E poderia levar a cabo toda a criação em conjunto; tudo porque ficara sozinha e abandonada...

Este seria um dos pontos que resultariam no fim da Era das Lendas, mas isso é uma outra história...

domingo, 22 de maio de 2011

Teogonia - parte 10

Outra contenda estava por iniciar-se causada por um equívoco;
O que outrora fora uma comemoração, agora era plena discórdia.
Mikra, a deusa da natureza protagonizava agora um evento trágico.
Seu nome seria dali por diante maculado do que antes era só alegria.

A natureza e deusa da vida, ligava o nascimento e floração ao ciclo;
Suas irmãs celestes e lunares homenageara, dando as fêmeas seu ritmo.
Assim, como as sementes teriam todas um momento certo para procriar.
As as irmãs luas, alternadas no céu, ditariam essa sábia e sagrada medida.

A deusa aqui clamado: 'Que os devotos festejem a benção do sol e filhas!'
'Pois estas quando nasceram, cheias no céu, também foram prova de vida';
'Nesse dia, a Natureza, Mikra, também era salva da Morte que Definha'.

'O Sol fecunda a Terra; todos os demais deles subsistem e guardam louvor'.
'Então, quando uma das irmãs celestes aparecer cheia na noite com sua luz',
'Os devotos da deusa devem a vida conclamar e multiplicar, Mikra ordena.'

Este conclame levou ao que foi instituído nos cultos, ao ritual de Mikra;
Originalmente, a uma celebração da festa da colheita e da semeadura;
Embora houvesse sido incutida a festa da procriação da vida, e famosa:
Conhecida por outros termos como culto a fertilidade, da terra e da carne.

Não sem razão, nas cidades, dos deuses celestes, assim foram chamadas:
O sagrado meretrício, com ironia e sarcasmo, servas da deusa prostituta.
Os quais, tanto a deusa, tal qual servos não se importam com rótulos tais;
Sabendo quão por um fio esteve toda a vida, o escárnio é preço pequeno.

O culto tem seus devotos e diferentes formas de agradecer pela vida;
 E respeito com seus participantes e devotos por seu esforço e garantia,
Que a existência da deusa e mortais jamais será ameaçada novamente.

E a quem zomba ou abusa da deusa diretamente em seu ritual ou votos
Um terrível castigo de humilhação e reflexão ela deixa para os heréticos,
Onde aprenderão no cerne que a Natureza é rígida, mas generosa e sábia.

Que dizer então, do clamor das tribos atacadas pelos bárbaros selvagens?
Das mulheres sequestradas e a força tomadas? Elas gritaram e choraram,
Mas Mikra não estava lá para protegê-las; pior era o que os bárbaros diziam,
Ao afirmar que só estavam seguindo aquilo que sua deusa lhes mandava!

Neste horror noturno sob a luz do luar, as fiéis outras protetoras chamaram:
Luna e Lifh, a lua prateada e a lua rubra, desceram dos céus e as ouviram,
As suplicantes pediram às deusas não vingança nem poder para punir, mas sim
A capacidade para se protegerem; e as deusas gostaram do que elas diziam.

Tornaram estas mortais amazonas, treinadas em combate para deter os facínoras;
E se estes, em nome da natureza, como feras se comportavam, assim sofreriam:
Com a fúria rubra e Lifh e os grilhões de prateados de Luna, os bárbaros cairiam.

Começava deste dia em diante a maldição da licantropia; nela, sofreriam o castigo,
Aqueles homens que se comportavam como animais, seriam feras para sempre;
E as devotas das deusas da amazonas, os controlariam, domados nesses grilhões.

Começava o conflitos que duraria séculos a partir deste dia, amazonas X bárbaros.
Eles acusando-as de terem suas tribos atacadas pelas terríveis mulheres guerreiras;
Elas dizendo que defendem suas terras das invasões de sequestradores de donzelas;
Que castigam com justiça, transformando-os em animais o feras de combate delas.

Os totens também tratam por afronta ao usar o poder que lhes cabe nesta criação
Os animais não nasceram para grilhões, nem para ser deste modo, domesticados;
A raiva irá erigir e um dia, as amazonas iriam se arrepender por temível pecado.
Pois um dia, acaso libertados, não teriam poder demais para serem controlados?

As deusas riem, ignorando os pobres espíritos coletivos dos totens dos animais;
Ouviram falar que eram fugidos do Submundo e que não haviam sido recolhidos
Por pena da deusa dos mortos; e assim não deram ouvidos ao terrível vaticínio.

Já que é o Destino, caprichoso e volúvel, decide dar ouvidos a quem conclama,
Palavras de justiça e castigo para quem os poderes por ele concedidos, abusa,
Criando uma história de salvação de uma salvadora nascida do fruto proibido...

Mas isso é outra história...

domingo, 15 de maio de 2011

Teogonia - parte 9

Outra dupla peculiar passou quase incólume pelas terras da deusa.
Eram eles, marido e mulher, deuses, vindo com o panteão celeste.
Pais dos pequeninos, povo migrante que tem muito a nos contar.

Raça de miúdos sorridentes, os quais dizem que crianças parecem;
Polidez e cortesia são necessários para tratar com estes dois;
E assim, conforme a lenda passa e perpassa, se ouve a toda hora,
Pois, destratar qualquer um deles que seja traz muita má sorte.

E não apenas seria obra do acaso, pois além dos pequeninos,
Serem chamados de povo que anda com a boa sorte, os deuses,
Tem ambos, marido e mulher, os olhos sobre o povo que criou.

Ekron, o espiritualizado, pai dos halfings astrais, guarda consigo,
Um poderoso guardião ou anjo da guarda que se manifesta,
Prontamente para deter os desafortunados que lhe prejudicam;
Assim é o poder psíquico deste deus do mundo do céu acima.

Anise, a de muitos títulos: dedos leves, a dama discreta, esguia;
A senhora irascível, mãe dos halfings, ladinos e senhora da sorte;
Irritá-la é trazer prejuízo, que vem de muitas formas e juízos.

Para o bem estar de todos, felizmente, seja por conta destas lendas,
Ou outro motivo aparente, qualquer que seja, é fato sobre os halflings
Que eles pessoalmente são corteses por natureza e isto os beneficia,
Seja aparência, carisma ou outra feita, ninguém jamais os odeia.

E assim seguem, estes peregrinos, ora sábios, trapaceiros, ladrões,
Profetas, turistas ou errantes. E em suas viagens ouvem muito.
E não a toa, sabem muito, e em muitas histórias e lendas para contar.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Teogonia - parte 8

Haviam entretanto muitos outros contos e desventuras a se contar.
Mais deuses, e suas já esperadas intervenções no reino dos mortais;
Entre elas, chama a atenção a chegada de estranhos de outro mundo.
Buscando um fim ao que consideravam um tormento, eles buscaram,
E enfim, após longa jornada através dos mundos, finalmente vieram.

Estes eram o povo belo vindo de outro mundo, um reino distante,
Aos quais, o homens podem apenas sonhar, o Plano das Fadas,
Dotado de beleza e horror, beleza e tristeza, glamour e sonhar;
E fadas caprichosas, como o dia e a noite, cheias de costumes,
Costumes e regras, cujos corações caóticos não podem ignorar.

Seus nomes e formas são muitos, seu povo incrivelmente variado,
Seus líderes, chamam de elfos, e de corte feérica são chamados.
Sua Chegada foi em algum momento da guerra de Póspor e Zaur.
Trouxeram esperança e conforto aos mortais que lá tanto sonhavam,
E dizem que foi pelos sonhos deles que nosso mundo encontraram.

Seus líderes, tão belos e estranhos, tão estranhos a este mundo,
Fizeram, destes filhos de um clã, com Mikra, a deusa, um acordo:
Protegeriam a beleza deste mundo, a natureza e com ela se uniriam
Desta forma estaria assegurado a quem quisesse, do povo deles,
O direito a este mundo de existir e viver, não apenas ser do sonhar.

Uma grande família compunha estes clãs, aos quais, eram lordes e pais
De muitos seres a quem chamam de fadas, quer sejam elas boas ou más
Diferente são suas regras e interpretação do mundo; por isso foi difícil
Entender como era viver neste mundo de deuses e mortais, onde antes,
Para elas eram todos, ao seu modo, belos, perfeitos, morais e imortais.

Elis Othuanien é o seu rei; patrono da música, exclama a beleza da inspiração;
Seus filhos, são os lordes elfos, os quais tudo podem e herdam, de melhor e pior;


Yrven Anasindel, a arquimaga, dotou seus filhos de aptidão e potencialidade;
Eles são elfos de ouro, tais quais seus cabelos, geniosos e brilhantes como o sol.

Swanor Lorenser, o caçador, silencioso e astuto, foi o primeiro a conhecer Hellios;
Seus filhos, os esmeralda, primeiros a ignorar o luxo e nobreza para conhecer o mundo.

Noraer Narwham, a amazona, deixou sua graça e perícia para seus filhos, elfos rubi,
Todos, admiram sua maestria na perfeita combinação de espada e magia que criou.

Isilion Mistade, primo do rei, quem ficou abaixo na hierarquia, deus aos seus filhos de prata,
O respeito e orgulho, de que soubessem que são tudo que há de mais nobre e belo das fadas.

Aurchien Galenedea, por sua vez, não desejando ficar mais abaixo, deu precisão e firmesa aos seus;
Toque delicado e sutil, seus elfos de bronze de cabelo ocre, são os melhores artífices e criadores.

Gwensal, ou às vezes,  Umthaw Dúrandir, o sábio, estudioso dos povos e do mundo, encontrou.
Os clãs queriam um mundo para conhecer e ele deu o dom da viagem aos seus filhos, elfos ônix.

Maelui Vairantil, a mais bela de todas, a orgulhosa e vaidosa, dona de todos os sortilégios da magia;
A feiticeira, bruxa e sedutora, mecenas da arte dedo que há de mais belo; os filhos são de ametista.

Estes eram os visitantes do outro mundo, que aqui conheceram e decidiram nestas terras ficar.
Nomeram um reino, de nome Tarantir e lá hospedaram todos de sua raça que desejaram.
O mortais tão intrigados com a beleza estoica e exótica, destes a quem chamavam de fadas,
Igualmente, a curiosidade intrigava quão era instigante a imperfeição humana e o que admiravam:
A força enorme da paixão em seus corações; algo que há muito procuravam no seu mundo.

Mas não se engane; na terra das fadas, nem tudo o que se vê é ilusão;
O glamour guarda muitas surpresas e mistérios, nessa terra de aparências,
Onde o que mais há é intriga, palavras veladas, meias-verdades e dissimulação
Na corte feérica e terras adjecentes, onde todo tipo de criatura e traquitana habitam
Caia em suas graças e desfrute seus augúrios; enfureça-os e espere toda sorte de infortúnios

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Crônicas da Crisálida



Gosto das nuvens de tempestade,
Mas não necessariamente da chuva;
Ela não me incomoda, mas ao meu bem vestir,
É outra história completamente diferente.

E enquanto aguardo, observo incólume,
O dia chorar desesperado, 
Por há muito ter-nos abandonado,
Sem saber por que, se, no entanto,
Sua hora não havia chegado.


Quieto, assisto o apoteótico espetáculo da fúria dos elementos,
Enquanto combato, imóvel, a mim mesmo,
Em busca de meu eterno reflexo perdido.
E perdido, perdi-me a vaguear pela tempestade, ao som de sua música:

“Kraka-Doom!”

SLASH                  SHRED                  MANGLE


Palavras desconexas, quase onomatopeias,
Que fluem, repetidas num padrão lento, pausado e caótico;
Me lembram o que aconteceu da última vez.

Se fechar os olhos, posso me lembrar da cena com perfeição;
Mas, volto momentaneamente minha atenção para Fumiko,
Avisando-me que o banho quente está pronto.




Deixo o robe cair displicentemente pelos braços,
Enquanto me dirijo à banheira.

Aconchego-me no recosto da peça de mármore fosco,
E permito-me relaxar com o banhar-me,
Que está maravilhoso.

Baixo minhas pálpebras e relaxo...
Imagino os primeiros curiosos invadindo a casa,
Abrindo a porta, eliminando a penumbra existente.





















Abro os olhos e passo a contemplar os meus cabelos...
São tão grandes e lisos, que escorrem negros,
Como a treva mais profunda,
Escondendo parte de minha fronte,
Deixando-a mais soturna.
  
Pouco depois, Fumiko surge detrás de mim
E começa a lavá-los carinhosamente.
O sabão em meus olhos, longe de incomodar,
Turva a visão, lavando a realidade e projetando nova cena:

 
Agora veem a garota.
Sim, é uma garota,
Deitada neste chão imundo e descascado
Pelo tempo e abandono.
Apesar da falta de luminosidade,
É possível distinguir-lhe as feições:

É jovem, donzela ainda.
Seu cabelo louro-castanho
Contrasta bem com seus olhos verdes,
Bem abertos e estáticos,
Demonstrando uma estranha serenidade
E até um esboço de alegria,
Confirmado por um tênue e tímido sorriso no canto
De lábios tristemente escoriados.



Fumiko enxágua meus cabelos,
E me desperta momentaneamente de minhas divagações.
Não sei se por zelo, ou por descuido,
Acabou retirando-os da sua posição de guardiões
De meus pobres olhos sensíveis.

Isso me cega dolorosamente,
Mas, ao mesmo tempo,
Me conduz à próxima cena,
Que é amaldiçoadamente clara:




Flashes insanos,
Murmúrios catárticos,
Lâmpadas estroboscópicas,
Pessoas entrando e saindo,
Janelas sendo arrancadas à força;

“Deus do céu”, “Jesus Cristo”,
Eles dizem, como se seus
Aconceituados e indiferentes deuses
Fizessem algo para mudar o ocorrido.

É possível ver todo o cômodo e seu conteúdo.
Há gotas de sangue seco por todas as direções.
O que restou da indumentária da jovem,
Está espalhada de forma fragmentária e caótica
Pelos arredores do aposento, se misturando a imundície já existente.

Se não fosse o fato dela estar, como eles diziam vulgarmente,
“Em tiras”, ela estaria linda, mesmo morta.


 




Vou até a cama onde estão minhas roupas, 
Já preparadas para vestir.
Um Armani, preto, e a capa, estilo Era Vitoriana.
Está impecável, além de ser uma ótima escolha.
Fumiko está de parabéns.

Me dirijo à porta e digo-lhe para não me esperar para o jantar.
Só então imagino a cena final, onde, finalmente,
No local do crime, legistas, oficiais e curiosos descobrem 
E se perguntam:





“Onde foram parar quatro litros e meio de líquido do corpo da garota?”



* * *
Suspiro


 

Por mais que tente, o filho pródigo sempre retorna...
Mesmo quanto mais desejar ver-te perdido nas Névoas do esquecimento,
Mas as suas grades virão firmes até mim?

Maldito seja, ó ossuário deprimente, 
Com toda a sua gente,
A chorar, deste lado e do outro, hipocritamente.

Parece que estou sempre a tua porta,
A meio caminho da ida e da volta,
Sabendo que, a qualquer dos dois que seja,
Não há volta.

Por enquanto, tenho passe livre,
A ambos os reinos, mas em breve,
Deverei decidir o que quero.

Eu o odeio. Mas, quantas vezes mais lhe direi:
“O visito pela última vez?”

A cada visita, um novo juramento.
E, desta vez, é por ti, só por ti, minha pequena,!
Só mesmo você, para me fazer visitar
Carcomidas cercanias de casas cadavéricas
Por livre e espontânea vontade.



Não fosse o vento frio, o nublar furioso do céu
E a probidade eminente da chuva, é provável que não estivesse aqui...
Mas é uma garota esperta, e sabia que eu viria...

Lembranças amargas vêm à mente.
Elas são o resultado de escolhas desagradáveis.
Quem podia fazer algo a respeito, se gostavas tanto de relações perigosas?

E, uma vez decidida de algo,
Não havia apelo ou retórica capaz de lhe demover de uma decisão.
Por isso, o que aconteceu era inevitável;
Uma questão de tempo.

Como posso, então,
Não me sentir responsável,
Após tudo que aconteceu?

Culpa, arrependimento?
Estou além destes sentimentos mundanos medíocres.
Dor? - nem preciso senti-la, com tantos a tomá-la para si,
Exigindo vingança para corações, que não são os seus, partidos,
E lágrimas, que não são suas, derramadas.




Conheço bem o tipo, que vive a punir sectariamente, 
A seu bel-prazer:
Todos aqueles que não façam parte de seus padrões hipócritas 
De perfeição.
Vêm cobrar a mim o cheiro de morte em minhas mãos,
Sem querer enxergar o quanto de sangue têm nas suas.

Avisto-os agora, mas já sabia de suas presenças há tempos.
Santíssima Trindade, toda de negro e óculos escuros,
São na verdade anjos decaídos, tão demoníacos quanto eu.

“Prepara-te, facínora, que teu reinado de terror está prestes 
A terminar.
Renda-se e prometo ser indolor”.





Dama-demônio, tu dizes:
“Faz deste poso tão teu, tua morada”.

Desarrazoa a razão.
Partam agora e me deixem a sós com minha dor,
Que a mim é suficiente.
Aproveita-te que nada tenho contra ti,
Vai-te embora, e esquecerei que um dia lhe conheci.

Ai, de minha fúria, se recair sobre vós;
Pois vosso sangue se tornará fel
Não mais haverá nada que se possa fazer.

“Não há escapatória - conhecemos tuas fraquezas!”
Grita capo em transe em sua afirmativa.

...

Canta, brisa, canta, pois ninguém tem mais nada a dizer...
Sê a juíza de nossa justa e testemunha...

...


...

...
TapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTap

SLASH!!!

TapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTap

SHRED!!!

TapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTapTap

MANGLE!!!


Acabou, minha pequena...

Acabo caindo sentado sobre a terra molhada,
Com as mãos apoiadas nos joelhos.
Permito-me uma risada cansada,
Mais por esforço do pulmão que qualquer outro motivo.

As flores de cerejeira que lhe presenteei ainda estão aqui, intocadas.
Beijo a ponta de meus dedos, ainda de luvas,
Transmito o meu ósculo sob a forma de carícia
Neste seu único objeto que sobrou para lhe representar.
Essa foi a despedida, adeus.

E mesmo que os deuses em que acredite não seja mesmo como os seus, AMÉM.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Teogonia - parte 7

Quem era Dánive e de onde veio esta deusa? Qual era o seu panteão e origem?
Não sabemos sua origem, e ela pode ser tão ou mais antiga que a própria Kai;
Senhora da Necrópole Subterrânea e Governante do mundo espiritual é seu título.
Seu dever e missão é garantir o equilíbrio entre vida e morte, mantendo a harmonia.

Quando Zaur, o vencido, trespassou seu reino e viajou em direção do abismo; era
A deusa curiosa e desceu até o fundo do poço e viu todo o inferno que fora já criado,
Lá, encontrou o Senhor das Trevas e constatou que ele era um ser de morte, tal ela;
Não servia para habitar o reino acima, mas era perfeito para tê-lo como esposo!

Tal é a verdade que ela reanimou aquele quem Pospór invencível, praticamente matou.
Para a deusa, Zaur não era mau; só incompreendido. Fora traído, humilhado e derrotado.
Mas e Pospór era bom ao desejar continuar a briga e arder a terra em deserto por isso?
Dánive discordava de todas as acusações de seu rei e como prova trazia seu panteão.

Eram deles quatros filhos, que herdavam de ambos poder e aptidão, nem vil, hirto ou vilão.
Laur, o primogênito, era seu poder as sombras; devoto da magia, decidiu educar os mortais;
Kursak o segundo, herdou a força do pai e tomou para si o poder da guerra e do combate;
Ferrish, o terceiro, detinha o poder sobre os mortos, e a todos eles comandava e procriava...
Nínive, a última, por conselho, buscou a noite, para amainar o Sol e proteger a terra de seu fulgor.

Para evitar destruir o mundo que um dia quis salvar, Póspor, o imponente, aceitou se afastar;
Doze horas a cada dia, se afastaria de seu mundo, para pudessem suportar sua luz e calor.

E assim a paz foi conclamada e o panteão do submundo, como eram chamados, os de Dánive,
Se tornou conhecido e respeitado; a única coisa que não ficou esquecida foi a humilhação de Zaur;
Mortais, seus devotos, oravam para ele para dar-lhe poder e se erguer; No dia que ele se erguer...
Recomeçará a guerra contra o deus Sol e o Senhor da Noite terá sua vingança justa e merecida.

Estes mesmos devotos, encontram apenas o silêncio do deus como resposta, mas há quem afirme:
O rancor de Zaur é inigualável, tal qual o seu ódio. E, quando foi reanimar seu futuro esposo,
Dánive encontrou suas formas-pensamento concentradas, quase como entidades-vivas...
Pareciam um Horror e um Pesadelo... ela não deu atenção a eles ali, mas o futuro mostrava:
Eles seriam, Ashates e Naxtul, seres que iam mudar a história, e, sem querer, acabar a Era das Lendas.

sábado, 23 de abril de 2011

Teogonia - parte 6

Zaur, o caído, consumiu tudo no caminho de onde atravessou,
Sua queda espetacular, real e planar, deformou a terra e planos,
Invadindo, perfurando e arrasando por onde trespassava:

Após a crosta, perpassou o mundo dos mortos, terra da desconhecida morte;
A cisão criou rota de fuga para espíritos que a deusa Dánive, a morte, guardava.
Estes invadiram o mundo, os espíritos, desesperados dos seus dias em vida,
Sem perceber, muitos, que, agora mortos, seu destino era predar os vivos.

Zaur, o corrupto, continuou sua queda, e seu toque torpe alcançou o plano elemental;
E de todos que ali se encontrava, conheceram por bem ou por mau, seu horror abismal:
Consumiu e maculou todo o território ali, criando arremedos hirtos, que só desejam o mal

Este reino, antes, dotado de beleza e fulgor, ganhou uma seção assustadora espiral descendente:
Um reino distorcido e maligno que não tinha nada em seu âmago, exceto satisfazer vis impulsos;
A estes, seriam chamados demônios, seus novos seres, e só havia mal em seus corações ferventes.
Eles também ascenderam para o orbe, aproveitando a trilha deixada pelo seu lorde soturno.

Zaur, o derrotado, continuou caindo até os limites imponderáveis do insondável.
Aqui, variam as teorias sobre onde teria parado; se de volta ao universo ou além.
O que se sabe é que anjos desafortunados o encontraram e também por ele, macularam-se.

Estes, caídos por outro motivo, se rebelaram contra os deuses,
E unidos muitos entre aqueles tantos outros em pecado e lutaram.
Apesar do desafio, foram, após esta outra longa luta, derrotados.
Expulsos e/ou selados, não se sabe, a estes pouco se ouviu falar.

Então, diante de tantos perigos, mortos, demônios e caídos, como podiam lutar?
Eram muitos os inimigos, para deuses, heróis e mortais lutar, vencer, subsistir.
A aliança veio dos deuses do submundo, o panteão não conhecido até então:

Dánive, e seus filhos subiram e ajudaram os deuses contra tantos novos desafios.
Deusa da morte, comandava os espíritos; e eles queria em seu reino,
Pois, os mortos eram seus súditos e só lá podiam habitar até renascer.
E a todos os espíritos e seres desmortos que perturbavam a vida caçou.

E só ia descansar quando capturasse a todos, mas o destino caprichoso...
Destes espíritos, desejosos por vida, havia entre eles, quem queria escapar,
E conhecendo a mente dos mortais, viram ser adorados, nas formas dos animais,
Animais-totens, que se uniram e formaram um panteão menor de espíritos vivos.

Sozinhos não tinham força contra a toda-poderosa deusa, mas unidos, eles a resistiam.
A deusa abismada não podia acreditar que não podia lidar com eles, mas ouviu Mikra:
Eram estes agora transformados, espíritos vivificados da natureza, que iriam protegê-la,
E não mais mortos famintos desgarrados; Se assim, haviam se tornado, Dánive os deixou.

Mas qual a origem destes deuses do Submundo? E quem eram eles, cujos personagens
Entraram no rol das histórias das lendas e deixaram também seu legado diante do mundo?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Teogonia - parte 5

Então ele veio da imensidão incomensurável,
Zaur, o Senhor do Escuro, o dragão das trevas,
E tomou Kai, mãe-deusa como senhora e esposa.
E as estrelas se tornaram meros pontos no céu.

Para o bem e para o mal, sua chegada iria mudar tudo
Toda a história do mundo outrora de Kai, a Terra
Seria contada por outro viés, e muitos vaticínios confirmados

Dedicada a seu esposo, a outrora gentil e generosa, Kai, a Primeira mudou;
Disseram que o toque maculado de Zaur a tudo perverte e consome,
Tornaram a deusa fria e indiferente. E muito embora clamem os dragões
Serem deles como filhos, foi fato que desde sua chegada, a Terra era estéril!

Todos padeciam com isso, mas a Grande Mãe parecia não importar...
Mikra, sua filha favorita, responsável pela vida e natureza era quem mais sofria
Pois diretamente da mãe dependia suas forças e labor divino, secava e sangrava.

Por toda parte, clamaram aos deuses que os salvassem.
E os deuses-estrelas atenderam: retornaram ao céu
Sua luz não mais era suficiente para apagar as trevas no coração da deusa.
E num clamor unido, uniram seus poderes, cedendo parte de suas forças.

Criavam assim, alguém como eles, um ser das estrelas, porém, maior.
Nascia assim, o poderoso, mavioso, inefável, inexpugnável, Pospór, o Sol!
Dragão Solar, Pospór; a quem muito chamam de Hellios, cujo nome louvam.

Seu brilho e fulgor, espantaram as trevas que assomavam o orbe; Ele viu Kai.
A viu enferma e carente e logo ali se enamorou. Desposou-a ali mesmo e assim,
Fecundou a Terra, fazendo-a fértil uma vez mais! Kai, renascia, renovada enternecida!
Mikra se salvava e ajudava a mãe no parto desta união que tanto préstimo e alegria trazia.

Luna era a primeira, seguida de Lifh, filhas da Terra e do Sol, se ergueram luas e foram ao céu
Decidiram viver ao lado de seu pai, enquanto os que estavam embaixo comemoravam,
Em especial, a irmã Natureza, que tratou como sagrado o aniversário das irmãs celestiais.

Mas nem tudo era alegria e festa; Zaur, a noite retornara e descobrira que havia sido traído.
E foi atrás de seu rival ter satisfações, punições e vingança pela afronta que havia sofrido.
E foram ambos, cada qual com suas tropas de anjos e demônios; dragões luminosos e trevosos;
Onde curiosamente não notavam em sua briga, como o ciclo noite e dia, dia e noite era bom.

Num tempo interminavelmente longo para contar lutaram com seus servos até só ambos restar
Onde chegava a hora do confronto final. Luz versus Trevas; Marido versus Amante; Mácula versus Pureza.
O final foi estarrecedor! Pospór vencera e arremessava o inimigo vencido em direção ao planeta!

A Cratera sem Fundo surgiu logo depois, rachando o continente e mudando a geografia local para sempre.
E isso não foi a pior parte! Desejando continuar o enfrentamento, Pospór desceu a terra para esperar.
E sem perceber, quando pisou ao lado da cratera, incendiou milhares e milhares de quilômetros.
Deserto maldito e indelével, que existe até os dias de hoje, O Grande Deserto de Pousson...

Sem intenção e arrependido, o deus-sol ascendeu e prometeu não mais se aproximar perigosamente,
De quem um dia se aproximou para poder salvar; Mortais e até um deus que estava na área porém...
Haviam sido marcados e odiariam a luz a partir dali por todo o sempre; Pousson, a praga assim jurava.

Este porém não foi o fim dessa história; Muito mais estava por vir após este evento épico...

domingo, 3 de abril de 2011

Teogonia - parte 4

Mas o mundo não poderia buscar a alegria e prosperidade sempre;
O desequilíbrio e imperfeição existe, mesmo entre os servos dos deuses.
A queda dos anjos foi o primeiro pecado e evento citado nesta Era.
Guiados pelos senhores do Panteão Celeste, filhos das Estrelas,

Deveriam estes servos alados, servir de guias e professores a eles,
Os mortais primitivos, a que tudo consideravam grande prodígio,
O poder dos servos dos deuses, os maviosos e dotados de asas, os anjos

Os quais, refreados pelo próprio senso de pudor, recusavam títulos,
Igualmente adoração dos mortais, ao qual era cabível somente aos deuses
Mas não a aproximação, ao qual estes servos tinham, comunhão e ainda,
Algo citado e explicado a eles que era proibido, a paixão, entre mortais e anjos.

Maculados pelo pecado, seus filhos começaram suas vidas em sofrimento, onde
Dankir, o senhor da Justiça declarou a penitência: os filhos deveriam pagar! SIM!
Os filhos deveriam pagar pelos crimes dos pais - porque assim grande parte deles caiu.

Muitos deles perderam a fé em seus deuses, procurando outras devoções.
Houve deles, muitos dos quais perderam muito de seus poderes e investimento.
Sem mencionar, é claro, aqueles, que não deixaram seus crimes recair sobre seus filhos,
Buscando se redimir por si mesmos de seus atos, pagando em pessoa pelos pecados.

Da mesma forma, entre os filhos, havia entre eles quem aceitou de bom grado o fardo.
Mesmo embora fosse este muito pesado, o dever filial, a tudo suportava pelo bem parental.
Restando apenas citar, que entre estes, houve também, dos que caíram, os proscritos...

Os proscritos, não aceitavam a lei dos deuses do céu, clamando que o que faziam não era pecado.
Que nada havia de errado em seus atos e que abandonariam os deuses que os taxavam "maculados".
A estes, chamados de Caídos sucederam toda sorte de sortilégios e eventos, que resultaram mais tarde,
Em outros momentos, no surgimento de outras tribos, cuja história planar será contada em outro momento

Pois no momento, ainda lhes falta conhecimento para entender a contento o contexto.

terça-feira, 22 de março de 2011

Teogonia - parte 3

Os deuses Estrelas viram a perfeição e maravilha da Criação da deusa-mãe.
E lhe pediram permissão para que seus filhos pudessem a terra lavrar.
E ainda aos seus filhos da corte celeste, aos mortais orientar,
Pois eram primitivos e nada sabiam que os pudesse ajudar.

Kai, a Terra assentiu e assim sendo, as Estrelas desceram ao orbe
Pousando seus filhos e corte de seguidores e servos para trabalhar
Neste novo e infante reino, com tantas coisas novas para cuidar.

Seriam eles chamados de membros de Panteão Celeste,
Pois vinham do Mar Astral, no céu.
Em oposição estavam diante deles o Panteão Terrestre, ou Primal
Dos nativos e filhos de Kai, a Terra

Enquanto os deuses primevos do mundo deixavam os mortais livres em seus cultos
Permitindo a epifania da adoração em meio a natureza; os rigores do clima
A sensação ímpar do poder dos elementos e dos espíritos, da doutrina xamânica,

Este outros deuses, vindo dos céus, eram completamente diferentes.
Dotados de ferramentas, matéria prima e desejo de mudar o relevo,
Erigiram cidades e forjaram algo que chamavam de civilização.

Seus servos, séquito de anjos, estes, deveriam educar os mortais,
Enquanto os deuses dividiam a terra entre si, conforme seus interesses;
Criaram algo chamado governo e instituíram a si mesmo como governantes divinos;
Forjaram igrejas e treinaram os mortais como queriam que lhes prestassem adoração.

Determinaram leis, códigos e regras, tudo para o bem comum, diziam.
Tudo era necessário, diziam. A educação e discernimento para o povo,
Para seu próprio bem e proteção, já que o inimigo poderia aparecer.

Assim, vieram eles: Dankinr, o senhor e a própria justiça, o legislador;
Neeria, sua esposa, estudiosa dos prodígios da mente, o psiquismo;
Yurush, o severo: primogênito de Dankir; o inquisidor e a justiça implacável;
Miid, o indeciso, filho do meio, adquiriu o fardo da justiça inconstante;
Ayra, a generosa, a paladina, tomou para si o feudo da justiça condescendente.
Yurush pune, Miid julga e Ayra perdoa; destes, Dankir cria a justiça.

Suas terras eram o norte desolado, na fronteira com a cordilheira de montanhas;
Junto a estes, acompanhavam, os que tomaram estas montanhas para si:
Haislregar, o artífice, forjou seu povo dunir, a quem chamaram de anões;
Sua esposa, Ejafilhein, senhora da forja, aqueceu as montanhas e coração de seu povo
Criando um povo forte, orgulhoso e valoroso, que começaram a extrair as riquezas da terra,
Ampliando a prosperidade, cultura e desenvolvimento de seu povo e adjacências.

Ao sul, Outra deusa só encontrou selva e desolação; seu nome era Iumai, a vidente.
Ainda que a onisciência não fosse acessível, os deuses sabiam dos atos de seus devotos,
Mas não do futuro, nem as leis que o Destino impunha mesmo a eles os deuses;

Curiosamente, aos mortais, ocasionalmente era dada esta faculdade, a vidência.
E destes, Iumai buscava, tornando-os servos e perscrutadores do destino, sob sua guia;
Por isso a sábia dos deuses fez ali o seu pouso, e criou sua terra para meditação e adivinhação.

domingo, 20 de março de 2011

Teogonia - parte 2

No princípio só havia o vazio e as Estrelas, coletivamente conhecidas como Deuses Estrelas.
Ela se formou e se tornou a Primeira. Ela, a Mãe de todos, Kai, a Terra.
Tudo era seu ser, forma e vontade. E ela se sentia sozinha.
Para aplacar a dor de sua solidão, ela usou o seu poder

Deu vida ao relevo. Às montanhas, seus filhos e filhas, chamou de Lordes Titãs.
Do sangue de seu útero, surgiu o mar e todos os seres que vivem nele.
Deste parto, seu fruto, nascia Mikra, a filha e natureza encarnada.
De seu sopro, o vento que sopra e o ar que respiram os seres vivos.

Todo o mundo deu forma e a esta forma deu vida, na forma de seus filhos.
E eles criaram vida após isso, na forma de servos, e assim foi por extensão,
Até a fração original havia se perdido, e as criações resultantes eram chamados
Pelos seus antecessores em poder, sabedoria e espírito, de Mortais.

Kai, a deusa, viu sua obra e como era bom e maravilhoso a harmonia à sua volta.
Atlur, a montanha e Rochien da terra e casaram e seus filhos criaram o solo.
Irun, o vulcão com Flama em união, usaram seu dom para aquecer o orbe;
Ym-kira da cordilheira se apartou de seus irmãos, indo ao norte onde desposou o Frio.

No mar, estava Undinya, mas os mortais não a conheciam, mais do que pelo nome.
Sabia-se que era responsável pelos habitantes das águas, mas não de seu companheiro;
Sabiam apenas sobre Mikra, cuja missão era alimentar a terra fértil com a natureza e,
Fazer a vida prosperar, se multiplicando, criando e mantendo o ciclo morte-e-vida.

terça-feira, 15 de março de 2011

Teogonia - parte 1

O mundo é Hellios, mas ele não nasceu com este nome. A cada Era, mesmo dentro delas e em cada lugar seu nome variou até se consolidar nesta homenagem a divindade solar que nos acalente e protege.

A Primeira Era é a Era Azoica. Nesta era apenas aos deuses é permitido saber o que aconteceu nas origens do mundo e não cabe aos mortais questionar o que havia no princípio.

A Segunda Era é a Era das Lendas. Quando sabemos dos deuses e heróis em suas diversas aventuras. Nos contos de formação do mundo e das batalhas que polarizaram multidões. Como a fé e o poder movimentaram o mundo e mesmo mudaram o jeito de ser.

A Terceira Era é a Era da Mágoa. Nela os deuses desgostosos dos mortais e de seus atos, deixaram nosso mundo para trás. Mas valentes heróis não deixaram o mundo por isso mesmo e a lembrança de grandes feitos do passado e diversos artefatos deixados para trás alimentam a cobiça e enchem de de esperança o coração dos povos livres. Diversos heróis e vilões armas seus planos e traçam suas estratégias em busca do que desejam.

Este é o mundo de Hellios.
A seguir:
O capítulo das lendas.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Meu Mundo Interior

Os olhos, os olhos. São órgãos tão especiais que o cérebro dedica muito de suas funções, só para eles. Não à toa, dizem que mostram aquilo que as pessoas têm na alma. Mas poderia dizer que algo oposto ocorre, quando cada pessoa vê o mundo de forma bem particular e algumas vezes, não no sentido metafórico...

Conta-se que há pessoas que vêem o mundo em preto-e-branco; outras distorcido, em maior ou menor grau. O que você vê? Você pode provar que o que vê é realmente o que vê ou seria apenas tudo o reflexo da luz que habita o mundo? Então, como seria para confiar naquilo que vê, se a visão, órgão tão facilmente enganado por luzes e cores, distraindo sua percepção do que pode chamar de real e daquilo que são apenas traições de sua memória?

Pior ainda: como seria se pudesse ver através dos olhos de outra pessoa? Se pudesse ver o mundo como ela vê - em todos os sentidos - seria que isto não mudaria sua própria visão de como encara o mundo? Faria-lhe ver o mundo como é de verdade, ou a distorções dela entrariam em choque com as suas, causando uma torção ainda maior?

O experimento está para começar. Puxe uma cadeira e assista ao show sem preconceitos. E tente abrir os seus olhos para ver o que realmente está por vir, porque, saber por que uma pessoa age, não explica o porquê de suas ações.

>>> Não é possível abandonar o caminho porque sempre esteve nele <<<
O Tao.


Para quem está a caminhar na estrada da vida, facilmente se aperceberá que ela é proporcionalmente longa à curva das mal traçadas linhas que guardamos à mão. Algo como uma escrita rudimentar dos deuses, a recitar o código genético de nosso destino, que está sempre a mudar, conforme o tempo vai passando. Mas não possível discernir se realmente e capaz de mudar ou se fica mais clara sua interpretação.

“De escolha própria escolheu a solidão”, vem à mente do rapaz como o trecho de uma música. Já havia tempo que decidira ser uma alma solitária numa trilha pouco comum. Ainda assim, sentia falta de ter alguém para compartilhar a dor de seus pesares e os sabores de suas vitórias. Até saber quão estava adiantado estava o seu caminho, se convertia num difícil feito, sem ter alguém como referencial.

Perdido num mundo só seu, mesmo quando acompanhado, o jovem procurava sempre recordar os velhos dias que não voltam mais. Seu tempo de criança a brincar despreocupadamente e os carinhos da mãe que nunca conheceu. São dele os olhos que nos permitirão ver o mundo com outros olhos. Prestem muita atenção à forma como ele vê e reage ao mundo, pois será crucial em nossa viagem.

Este rapaz vivia quase sempre com lágrimas aos olhos e um profundo pesar. Sentia uma imensa dificuldade de atravessar o abismo que o separava do resto da humanidade. Quando perguntado, nas raras ocasiões que encontrava companhia de viagem, o porquê de estar a chorar, dava o silêncio como única resposta. Não é que não desejasse falar, ou que desconfiasse da companhia de viagem, mas é como se lhe faltasse energia para isso. Os pensamentos eram formados vezes e vezes, sem, no entanto, jamais partir do plano das ideias.

Ele estava bastante cansado, pois havia caminhado a madrugada toda. Não é como se estivesse muito frio para encontrar o sono ao relento sem riscos, mas ele preferia se manter aquecido com o pequeno exercício de andar que fazia. Assim, andava distraidamente pela rua, pela margem da rua, bem devagar. Sua bagagem consistia apenas numas poucas mudas de roupa, todo o dinheiro que conseguira arranjar e alguns itens pessoais.

Olhou para o céu e notou estranhos padrões digitais nas nuvens... Pensou logo que iria chover. Ergueu a palma da mão para o alto, num gesto ao mesmo tempo contemplativo e mundano, em busca de uma gota de chuva e da resposta para as suas preces. Podia sentir o prenúncio de um presságio; há muito tempo esperava por um. Aguardava pacientemente por este algo caprichoso destino, que fizesse sua vida dar uma guinada de cento e oitenta graus, e o libertasse do círculo vicioso da repetição opressiva.

Foi então que seu desejo se realizou. Mas de uma forma diferente daquilo que havia idealizado. Perdido em suas próprias elucubrações, não conseguiu notar os avisos sonoros da ameaça motorizada que estava às suas costas. A Força reguladora universal escreveu no seu livro da vida este grande evento que com muita fé pedira. Mas, mesmo acontecendo tão rápido, nem parecera que se passara apenas alguns segundos, mas uma eternidade inteira.
>>> Estava para ser atropelado <<<

Tudo ficou claro de repente, como na escuridão num negativo de fotografia. Podia ver o veículo bem em cima de si, com o seu motorista em pânico. Via também muitas linhas. Linhas no chão, linhas na estrada, linhas no céu, linhas nas nuvens e até sobre si. Linhas, todas elas muito brancas, cujas espessuras variavam de décimos de milímetros até a largura da palma de sua mão. E linhas fortes, espessas, como se fossem tentáculos, saindo de seus pés, conectadas ao veículo, como a deter ou a atrair a colisão fatal.

Não é possível afirmar com certeza se o garoto fora repelido pelas linhas ou arremessado pelo choque residual com o veículo. De qualquer maneira, machucado ou não, caiu inconsciente.

Seu desejo fora realizado:

“Estou acordado, mas queria poder voltar a dormir” e caiu numa espécie de coma. Nos instantes finais podia até mesmo escutar a voz de um gênio, bem ao seu ouvido a dizer baixinho:

“Maktub” - Que assim seja.

***
Crime e castigo. Culpa e arrependimento. Dois pares de coisas tão vividos no imaginário coletivo humano. Sentimentos que sempre vêm à tona na mente daqueles que transgridem a própria fé em que acreditam. Extremamente autoindulgentes, se julgam indignos de qualquer merecimento ou perdão. Desgraçados e maculados, devem se sujeitar de bom grado a caminhar além dos portões do inferno do erro que cometeram.

Contudo, dentre estas almas tão singulares, um estranho efeito paradoxal ocorre, talvez para nos mostrar o quanto irônico ou justo o universo pode operar as suas tramas que tece tão bem. Então, para aqueles que permanecem fieis aos seus ideais e trilham um caminho de retidão, mesmo nas trevas, lhes são dados uma Segunda Chance para redimi-los.

Esta ajuda normalmente surgirá sob a forma da chegada de um ser ainda não tocado pelas impurezas e chagas de seus pecados, podendo assim, trazer a luz e a expiação para os crimes para quem não pode perdoar a si mesmo... Oh sim...

>>> Domine, actum meun perdona <<<

Observemos agora outro de nossos companheiros de viagem. Ele é bastante conhecido na sua comunidade. Responde pela alcunha de doutor Eliezer e acabara de cometer uma falta muito grave.

Logo ele, que era um médico de grande renome na cidade. Casado já há quinze anos e pais de dois belos filhos. Possuía uma casa de bom tamanho à cerca de 25 minutos do centro, num bairro calmo e tranquilo. E alem de ser o médico-chefe da residência do hospital que trabalhava, era membro do conselho diretor da instituição.

Em suma, uma posição de grande respeito, prestígio e grande responsabilidade para quem tanto se dedicou na nobre tarefa de salvar vidas. Sua própria postura no ambiente de trabalho deixava seus subordinados e colegas de trabalho com tanto desempenho e vigor, mesmo diante dos desafios que um hospital de grande porte costuma passar, dada a demanda de pacientes.

Sua política, por sinal, considerava que ser médico era especialmente direcionar todas as suas forças para o operacional. Administrar, somente crises, nunca papelada, era o que sempre dizia. A papelada que ficasse com outro com menores pretensões e gosto por burocracia.

Que diferença fazia, por conseguinte, a semana excruciante por qual estava passando? Deveria fazer diferença o número de pacientes superior ao habitual? Pânico e histeria generalizada por medos das novas pandemias que se espalham velozmente pelos jornais? Todo seu empenho e vigor não deveriam lhe deixar preparado para todas as crises que aparecessem?

Mas não... Quando a verdadeira crise chegou não estava preparado. Vivia, em verdade há muito, apagando pequenos focos de incêndios administrativos. Quando a crise in factum chegou, não soube o que fazer. Como organizar seus comandados. Trabalhou sem parar mais de um dia, muitas horas além de seu plantão.

Estava exausto, mas, lentamente dominava a demanda. Não é dever, forçar o corpo, a mente e o espírito para ter a satisfação do dever cumprido? Era isso sempre o que pensava. Mesmo ele, porém, tem limites e não poderia suportar o esforço empregado de forma natural.

É justificável, portanto, roubar remédio de um paciente, o qual precisava desesperadamente dele para aplacar a própria dor, e de outro para manter-se acordado? Tudo isso porque não sabia parar? Tudo isso porque queria as glórias de cada paciente salvo para seu nome? Orgulho e autopromoção são motivos válidos para ir tão longe, pior ainda, num caso de alta complexidade o qual a decisão errada arrisque a vida do paciente?

E os desejos conflitantes de curar o paciente, de ir embora, do efeito das drogas, de ter sucesso e desejar descansar após um dia terrível, de não ser derrotado por uma mera doença desconhecida? O que acontece quando se perde uma batalha assim?

Há perdão para alguém assim?

Então voltamos para as encruzilhadas do destino, onde o Dr. Eliezer acabara de atropelar um rapaz que caminhava distraído pela rua, enquanto se dirigia novamente para o trabalho. O rapaz parecia ter surgido do nada na estrada escura do dia nublado que sequer completamente iniciara.

Seus nervos, em frangalhos, desabaram. Desesperado, ligou em prantos, para a mulher, pedindo que o encontrasse no local do acidente. Mal terminou a ligação e o aparelho chamou novamente e avisaram que acabara de perder o paciente. Um jovem da mesma idade do que há pouco atropelara.

Embora machucado, estava vivo. Eliezer o abraçou, consternado. Subitamente lhe ocorreu que a esperança para se redimir estava bem ali. Silenciosamente rezou para que desse tudo certo, enquanto aguardava seu cônjuge chegar. E ele sempre sabia o que fazer quando ela estava por perto.

***

Há momentos em que é preciso abandonar a solidão para caminhar pelas trevas em conjunto. Todos nós temos erros a reparar, sonhos a realizar e o desejo de mudar a própria história. Dividindo as amarguras e sofrimentos, aqueles que se vêem perdidos frequentemente encontram esperança de redenção ao ajudar os que cometeram crimes que não foram como os seus.

E então, como pequenos asteroides que são, são arrancados de suas vidas por forças que sequer ousam suspeitar. Capturados assim pelo poder de atração da vontade destes corpos maiores, não têm os asteroides alternativa, senão orbitar em torno destas possantes massas de culpa, vergonha e ressentimento, devendo resolver a questão fundamental da física do destino que o atraiu, ou ainda aguardar ser invocado por um corpo celeste ainda maior.

Então, enquanto nosso observador nada observa que seja de nosso interesse, a Sra. Helena chega. A Senhora Helena. Matrona, firme e iluminando a manhã insone com seus cachos dourados, escondendo seus olhos de ver atrás de lentes escuras. Somente bastou sua presença irradiar do veículo, quando saiu e seu marido parou.

Ele estava terminando de fazer os curativos no garoto e satisfez sua vontade ao saber que a presença dela ali o inspiraria a fazer tudo o que era preciso. Ela poderia, se quisesse ou se fosse pedido, fazer muito mais pelo nosso bom doutor. Mas apenas a presença já lhe era o suficiente para aplacar a dor e o espírito.

Para quem chegou tão rápido, a Sra. Helena estava elegante o suficiente para ir numa reunião de pais e mestres. Ou ainda, se apresentar em qualquer evento formal que desejasse com seu marido. Mas, ignorando estes detalhes, o Dr. Eliezer pegou o rapaz nos braços e o entregou a ela. Ele estaria sob os cuidados dela a partir de agora.

Explicou que ainda precisava ir ao hospital resolver algumas pendências do último problema que havia tido com o paciente que falecera - e parece óbvio que o nosso preocupado doutor iria buscar se certificar que não havia deixado rastros de suas indiscrições à solta ali.

Num tom tentando parecer firme, ainda com os olhos vermelhos da falta de sono e das lágrimas derramadas, disse-lhe do imperativo de manter a saúde e bem estar do rapaz até ele voltar. Que não deveria deixá-lo partir, sob nenhuma hipótese, tornando-o um hóspede, voluntário ou não, por tempo indeterminado.

Havia muita coisa em jogo, na visão do nosso bom doutor. Que ameaçasse até os filhos de morte, caso tentassem estragar tudo. Por fim, tendo terminado sua lista de tarefas para a Sra. Helena, enxugou as lágrimas e retirou os óculos escuros da esposa, reassumindo sua postura sisuda habitual. Renascido, voltou ao carro e dirigiu-se para o hospital.

A Sra. Helena não gostou nada daquele ato todo. Teatral demais, um tom de escárnio e tirânico; uma tirania escarnecente! Mas a tudo isso a Sra. Helena podia suportar. Parecia um muro inexpugnável diante cada palavra em tom de asneira que o ego ferido seu marido dizia. Mas quando ele tirou as lentes que lhe protegiam, tudo mudou. Ela não gostava nada de ser exposta assim, tão de repente. E ainda que não tivesse lhe dito nada, nem feito nada em resposta ao ato dele, era uma leoa ferida e parecia furiosa.

Ela olhou para o jovem e suspirou. Foi para o carro dela e acomodou ele cuidadosamente nos assentos traseiros e refez o caminho de casa, escondendo seus pensamentos com outro par de lentes escuras que havia guardado no veículo. O dia clamava para iniciar, mas o clima discordava, como na previsão do jovem mais cedo.

 
Uma amostra tácita que o tempo estava decididamente estranho aquela manhã. Vinda como se fosse do nada, poderosas gotas de chuva, afiadas como navalhas, exigiam seu saque de sangue ritual, dando a certeza que os gênios que habitam as tempestades anunciando que um novo ciclo iniciava e que era direito assistido a eles receber as libações e sacrifícios para os milagres que estavam a operar.

Hesitante, a Sra. Eliezer estacionou a porta da garagem, desembaçando o vidro, olhando para o alto. Mas como saber o que se passava em sua mente? Teria compreendido a mensagem? Não importa, entretanto, perder tempo em muitas elucubrações, pois, tão abruptamente quanto chegaram os gênios, eles foram embora, deixando o céu azul-nascente e a terra marcada com sua mensagem e sementes de vida nova.


>>> Se quer mudar o mundo, dê três voltas dentro de casa <<<
Provérbio chinês.

A Sra. Helena levou-o para cima, carregando-o em seus braços. Sem pensar duas vezes, acomodou-o em seu leito, onde havia muito espaço. Olhando para o relógio ao sentar na penteadeira, percebeu que ainda era muito cedo, mesmo após toda esta aventura. Resolveu trocar de roupa, pondo novamente a camisola e escovou os cabelos até aproximar o horário dos filhos se levantarem.

Quando este momento chegou, sentou na beirada da cama, e pôs-se a acariciar os cabelos do jovem adormecido, com um sorriso nos lábios idêntico ao de uma mãe enquanto amamenta uma criança. Podia ver que ele era um bom garoto, mas havia tanta dor em seu coração... tanto sofrimento...

Foi então que a sua filha mais velha, Júlia, entrou no quarto. Todas as manhãs, os filhos de Eliezer e Helena procuravam os pais, tomados por um habitual estupor matutino, para receber o beijo de bom-dia que iria despertá-los de todo. Júlia estava desorientada e confusa, como todas as manhãs quando chegava ao aposento, mas ainda não estava cega! Podia ver claramente o intruso com sua genitora, roubando o que era seu por direito.

E mesmo no estado deplorável em que se encontrava, seu coração se encheu de fúria e a jovem se aproximou para dar uma lição que jamais esqueceria. No meio do caminho, já de armas em punho, Júlia parou derrotada, tão somente com o olhar singelo da mãe, que a chamou com um leve aceno, desarmando todas as intenções rudes da filha e aproximando-a de si, onde pode cumprir o ritual diário, oferecendo-lhe um ósculo à fronte e ia assim, lhe despertar.

Caindo em si, Júlia examinou todo o contexto das coisas e olhou direito quem estava perto de si. Seu súbito ódio, havia tornado-se interesse e a adolescente queria saber mais do rapaz à sua frente. E como havia pouco tempo para o desjejum, desejou a ele o bom-dia da maneira que conhecia, já que não saberia se estaria presente para fazê-lo quando ele se levantasse e desceu correndo as escadas.

À mesa encontrou o irmão, Augusto. Ele tomava café completamente ausente. Para a irmã, tinha a expressão abobalhada e lembrava um zumbi. Há algum tempo ele decidira abandonar o ritual diário matutino da família. Para Júlia, era esta a explicação do estranho comportamento do irmão. Mas não queria pensar nisso agora. Tudo o que queria pensar era que a manhã passasse bem depressa para que pudesse voltar da escola e conhecer seu novo e futuro amigo.

Estava ansiosa e o seu coração batia descompassadamente aguardando por isto.

***
 
“Mamãe, socorro! Não me deixe ficar aqui, sozinho neste lugar feio e escuro. Aparece para mim que quero te conhecer, lhe abraçar e sugar em seu seio, curar esta sede insaciável de carinho por ti! Segura minha mão bem forte e me tira daqui, que já não consigo mais me mover, não consigo mais te ouvir!”
“Socorro”
...
‘Não te preocupes, meu filho, que ainda não é esta a hora que dormirá o longo sono. Velarei o teu dormir até que a hora do teu novo despertar aconteça’.

Um local totalmente escuro, ao pé de uma escadaria, onde apenas ela e o que queria esconder estavam invisíveis. Acima dela, após um curto serpentear estava uma sombra zombeteira, gargalhando num altar que mais parecia um trono de ossos.

Vultos sinistros atormentavam nosso herói, cuja mera presença evocavam medo e lembranças ruins. Desafiando o próprio medo e sentimentos ruins que tentavam tomar contar de seu ser, ele subiu a escadaria, ficando cara a cara com a sombra. Ele não sabia se devia sentir medo ou ódio dela.

E ela ria, porque sabia que ele sabia que qualquer dos dois era a resposta errada. Tenso e indeciso ele ergueu o punho e concentrou seu ser no ataque que iria fazer, golpeando-a e perfurando-a no ventre com as mãos nuas!
E ela gargalhava desesperada, quase engasgando de tanto rir!

“Você errou o alvo! Errou o alvo!! Como pode errar um alvo tão fácil? Simmm?”

Seu riso sinistro se torna assustador quando ela cresce e se mescla com as trevas reinantes, numa forma fantasmagórica e bruxuleante. No seu lugar, uma luz vermelha e fúnebre ilumina lentamente a caverna que se encontrava, onde ele pode ver a pessoa que acabara de matar. Ele nunca vira alguém assim antes. Uma garota jovem de cabelos castanhos claros, mas sabia disso ser um sinal. Era como as chamas que se erguiam ao redor no ambiente, lhe lembrando de emoções e atos dos quais não queria se arrepender, mas sabia que eram errados.

Seu corpo arde e treme, junto com a caverna, quando um acesso de dor toma o seu corpo. Sua mão suja de sangue lhe incomoda e ele queria enxugar o suor de sua testa. Estes e outros sentimentos afloram em seu ser confuso, sem entender direito o que estava acontecendo. Ele não mais estaria nesse mundo e sabia disso.

>>> Não combata demônios temendo se tornar um <<<
Fredrich Nietzsche.

O tempo é, com efeito, uma constante particular demais para poder ser definida a contento. Apesar disto, ele mesmo escolhe o período necessário para a gestação ou maturação das coisas, discriminando o momento ideal de todas elas eclodirem e alcançarem o seu propósito - seja ele qual for. Tudo começa e tudo tem um fim. E tudo tem a hora exata para acontecer.

É por não saber o ínterim desses planos secretos do divino que a maioria das pessoas aflige suas vidas, questionando a falibilidade do fragmentar do grande quebra-cabeças universal, quando, nem ao menos entendem como ele se processa. Vivem chorando e se questionando quando as coisas e eventos não acontecem quando e como deejam, sempre sem ver as pistas que estão a receber.

Só é preciso abrir os olhos...

“Ele está abrindo os olhos, mamãe!”
‘Eu disse para não incomodá-lo enquanto dorme.’
“Não estou incomodando-o. Estou velando por ele, como você fazia.”
“Nnnnnnnnnnn”
‘Está melhor? Você foi atropelado por meu marido, então acabei trazendo-o para cá, para cuidar de seus ferimentos. Você...’
“Dormiu por um dia e meio” – risos.
‘Está se sentindo melhor?’
“Sim”
‘Eu sou Helena.’
“Oi, eu sou a Júlia. Você veio de onde? Tem irmãos? Tem namorada? Ei, você tem cara de Thomas. Posso lhe chamar de Thomas?”
“Pode”
“Maravilha. Thomas, você quer café ou algo especial? Nós achamos uma mochila com você, mas a mamãe não deixou a gente mexer nela.”
‘Thomas, é? Melhor se lavar e descer para fazer uma refeição. Afinal não se alimenta desde ontem.’
“Você vai tomar banho primeiro não é? Porque aqui em casa ninguém come fedendo. Não que você esteja fedendo, mas que é que não toma banho desde ontem, então a mamãe tem medo de seu cheiro incomodar o papai na mesa. Mas nem sempre o papai está em casa para o jantar, então não deveria ser problema. Mas hoje ele estará em casa, então é melhor tomar banho com certeza. Você tem toalha ou quer que eu lhe empreste uma?”
“Eu tenho a minha”
“Nhaaaaaa....”

Seus olhos esquadrinhavam tudo neste novo ambiente. Podia ver Júlia abraçando as pernas, enquanto se apertava em si mesma na cama, onde o observava. A mãe, estava escovando os cabelos, mas havia parada e agora estava de perfil para ele. Além delas duas estava uma outra figura a observá-lo: Augusto, o irmão da garota, usando um boné ao contrário mesmo dentro do quarto, com suas roupas esgarçadas e misturando tanto desleixo quanto moda de alguma tribo urbana em particular.

E linhas. Tantas linhas circulando em envolvendo o quarto que mais pareciam ao Thomas que a casa fora tomada de teias de aranha. E isso não era tudo que ele via. Estava assustado com tantas novidades de uma só vez, que pegou a toalha e correu para o banheiro para parar de ver o que via.

Um banho quente. Já tinha esquecido o prazer que sentia ao estar em um. Sentia seu espírito lavado de todos os pesares que tinha. Mas ainda se lembrava da risada zombeteira de antes e isso lhe preocupava muito.

A neblina do banho aumentou na tentativa de apaziguar o seu espírito e só dissolve quando seu ponto de vista muda para um novo âmbito completamente novo e particular - até mesmo para ele que podia ver tudo tão bem. Estava à mesa com os Eliezers, a família completa. Até o bom doutor estava a mesa.

O mais estranho para o Thomas é que sentia que via toda a cena desse jantar como se estivesse fora de si mesmo, observando através de olhos que não eram os seus. Seriam os nossos? Como deve ser a sensação de ver seu braço se erguer e trazer comida à boca e não parecer que está em si mesmo? Um hóspede de si mesmo?

E o que dizer da dinâmica social da família Eliezer à mesa? Um silêncio incrível, tão mórbido e perturbador, os quais Thomas não ousa interromper, mas só observar cada um atentamente. Mas sentia que não estavam silenciosos, nem no seu espírito, nem entre si. Podia captar uma estranha rede em funcionamento.

Desistiu logo de tentar olhar a Sra. Helena. Nunca conseguia ver os seus olhos, pois sempre que a encarava, ela estava com eles fechados, voltados para o prato ou olhando em outra direção. Mas sentia a força da presença que ela irradiava, mesmo que contida, de alguma forma que não conseguia definir.

Augusto tinha um olhar esquisito e distante. Parecia achar o convidado à coisa mais engraçada do mundo. De todos, ele parecia o mais obviamente estranho. Mas Júlia e o pai pareciam discursar e debater com inúmeras posturas e trocas de olhares. Isso surpreendeu o visitante, que nunca havia visto uma forma de comunicação assim. E numa observação direta a visita, como se percebessem estar sendo ouvidos nesta ‘conversa’, ela termina com o Sr. Eliezer se erguendo e Júlia se curvando a ele submissa.

Toda essa aura nova era completamente estranha ao rapaz, que passou do jantar a um novo flash, na sala, onde os pais dos jovens davam recomendações e orientações de como se portar já que iriam os dois pais se ausentar até tarde da noite. “Deitem às dez”, ouviu o pai dizer claramente aos dois. E viu as palavras saírem de seus lábios e marcarem os filhos, impregnando o ser deles com elas.

Ele viu o que ninguém mais podia ver.

Júlia corre para o sofá e se deita nele, balançando as pernas, enquanto liga para alguém. Ela parecia animada, mesmo assim. Thomas podia ler a frase esculpida na testa dela e na do irmão. Em pavor, ele os observou de perto e não entendia o que via, mas sabia que devia ser por isso que acontecia o que acontecia.

Havia fios prendendo o rosto de Júlia, esticando e repuxando, forçando a sorrir, a manter os olhos bem abertos. A esculpir os seus cabelos e também provavelmente o seu cérebro, de outra forma, que não tinha escolha exceto a viver assim. O seu irmão, não parecia melhor. Mas os fios pareciam torcidos, mal amarrados e queimados em vários lugares, como se o rapaz houvesse tentado se livrar deles, mas a consequência resultante da tentativa não tenha sido positiva.

“Alô Diego? Sim, não podemos sair. Ele disse que tínhamos de ficar em casa, nada de bagunça e que temos porque temos de dormir às dez. Você sabe por quê. Ah, e o Augusto disse que está querendo mais. Tá tchau, estamos esperando. Ah, tem alguém que eu quero que você conheça, ele é super-duper-legal!”
“Diego?”
“É um amigo nosso, Thomas. Ei, por que está passando a mão na minha testa? Como assim, tem algo escrito nela? Não vejo nada no espelho. Conversando com os olhos? Imagina, de onde tirou essa idéia?”
Olhos para o alto e para a esquerda. Ela estava mentindo e Thomas sabia disso. Mas não sabia sinceramente sobre as outras coisas que o rapaz falava. Nosso herói não teve tempo de continuar a explicação, pois a campanhia havia tocado, despertando Augusto de seu habitual torpor, manifestando uma alegria suja e prazer em seus olhos. Era espantoso vê-lo vivo, porém.

Júlia aproveitou também a deixa, para se esquivar de novas questões difíceis, enquanto recebia as visitas. Um grupo grande. Pareciam ter dez pessoas. Pessoas rudes, de estilo rústico. A presença que emanavam variavam, mas não eram nenhum deles, do mesmo estilo que Júlia, pensou Thomas.

“Diego: Thomas; Thomas, Diego.” Júlia apresentou o estranho. Rosto limpo, corpo forte e Thomas tinha de olhar para cima para encará-lo. Ele tinha uma presença forte e era claro que era o líder do grupo. Mas não foi só isso que passou pela visão periférica do hóspede da família Eliezer.

Uma troca suspeita, “Não me divirto faz uma semana”, diz Augusto ao negociante perto dele. Olham para os lados, paranóicos, trocam pequenos objetos e cada lado sai feliz para o seu lado, revelando um prazer proibido manifesto. O aperto de mão forte de Diego obriga-o a manter sua atenção focada nele.

‘Thomas, é? Posso lhe chamar de Tom?’
“Não”
‘Isso será divertido.’

***

Você já sentiu antipatia à primeira vista? Algo misterioso do universo, onde seja a aura, intuição ou outro motivo que nos leva a detestar alguém que acabou de conhecer, antes mesmo saber coisa alguma sobre ela tão somente ao vê-la.

Seria esta pessoa algo que você vê em si mesmo de ruim e por isso mesmo a odeia? Ou inveja, por ela ter qualidades que deseja, mas sabe que no fundo jamais poderá adquirir? Ou ainda uma intuição ou choque de auras que causa o lidar com esta pessoa algo extremamente inexplicavelmente indesejável.

Não importa a teoria. O fato é que Thomas não gostou da presença de Diego tão logo o viu. Algo nele o incomodava profundamente e, isolando-se do mundo, os dois exibiam os espíritos em conflito, provocando o deslocamento do ar, girando ao redor dos dois e erguendo leve poeira, apenas com a força de seus olhares intensos em disputa.

A pressão aumenta e Thomas coloca um pé à frente. Seu adversário é maior e mais forte. Então, Diego abre os braços e começa a aplaudir, quebrando a tensão e elogiando a presença marcante que estava à sua frente.

‘Sabe, rapaz, eu gostei de você. A Júlia estava certa. Você parece legal’ – cumprimento.
“...” – recusa cumprimento.
‘Ah, quié isso? Hoje à noite nós vamos fazer uma experiência muito legal. Eu não estava certo se você iria conseguir nos acompanhar, mas agora tenho certeza.’
“Pensei que ninguém podia sair de casa”
‘E não podemos, Thomas. Mas o Diego tem um jeito para permitir que a gente consiga ir num lugar muito legal, sem desobedecer o papai.’

Diego se aproxima de Thomas, apontando o indicador à direção da testa do jovem hóspede. Thomas vê neste dedo algo como um olho. Só que não é como as coisas que costuma ver. Parece de fato haver desenhado um olho no dedo e algo refletindo a luz quando ele se move.

Quando ele toca a testa, algo se gruda nele e Thomas solta um grito surdo quando sente algo arder e como se sua testa chorasse. Imediatamente, sua vista fica turva. Parece que o ar tem gosto e sente odores engraçados. Ele tenta fazer suas mãos alcançarem este 3º olho que dói e lacrimeja, mas é como se suas mãos ficassem muito compridas e pesadas, levando todo o tempo do mundo para chegar lá. O que era isso, perguntou, mas sua voz saiu entrecortada, como se seus lábios não estivessem com vontade de falar.

E Diego aponta os dedos para os olhos de Júlia. Ao vê-los, ela se curva para trás, como uma marionete largada pelo seu titeriteiro. Então com novo movimento, ela revive a começa uma dança em volta de Thomas. Diego se agiganta pouco a pouco se tornando ainda mais forte e ameaçador, rindo enquanto dezenas de Júlias dançam de forma sedutora e sensual.

O corpo do rapaz ascende às estrelas. Lá ele encontra uma criatura feita de matéria escura. Dela se erguem chamas rubras que pouco fazem para remover a penumbra. O coração de Thomas acelera. É ele!

“Já se esqueceu de quem é? Você é um demônio. Vai matá-los também?”

Algo estala no coração dele. Um grito de dor e angústia. E ódio. Um ódio tão grande que ele deseja aniquilar aquela existência e a si mesmo. Não! Deseja, do fundo do coração, num ímpeto, aniquilar toda a existência! E com um poderoso soco no seu reflexo, toda a realidade estilhaça!



>>> Eu miserável! Para que lado devo voar | Infinito ódio e infinito desespero? <<<
John Milton, Paraíso Perdido.

‘Não se mexa, Thomas. Calma, senão não consigo fazer o curativo.’
“... Júlia?”
‘Devia tomar mais cuidado ao viajar. Acabou esmurrando o espelho.’
“JÚLIA!!!”

O ambiente mudou e retornou à casa. Ela fala a verdade. Há cacos de vidro pelo chão e a destra dói, recebendo as ataduras. Mas o choque real foi ver que a roupa da garota havia desaparecido, tendo suas vergonhas, cobertas apenas pelas linhas! Pelas linhas! Linhas rondando e vestindo as pessoas na casa, diferentes das de antes, não naturais e originais da casa.

Destes, novos fios, todos convergiam para as mãos de um enorme Diego que ria diabolicamente.

‘Agora, garoto, é a sua vez!’

***

Escarpa de carpos. Carpas empurram em puxam o yin e yang. Pés na cabeça. 3,14 olhos. Dores sonoras. Lidocaína. Nada faz sentido, nada faz sentido! Setentrional. Eu sei que sei! Disparate.

O princípio do fim é só o início.
O fim do princípio é só o recomeço, oh Destino.
Para chegar ao seu jardim é preciso perder-se.

Diego estica os braços e prende Thomas. Com uma das mãos o maxilar e com a outra cobre seus olhos, usando a força de seu corpo para virá-lo lentamente para o oeste. Ele sequer deveria alcançá-lo, mas alcançou. O rapaz tenta se libertar, mas o monstro é grande e forte demais. A pior parte começa, com linhas envolvendo o pescoço de Thomas.

Ele tenta puxá-las, impedi-las de sufocá-lo, mas em vão. São finas demais e as tentativas de detê-las, tiram seu sangue da traquéia e seus dedos. O nervoso toma conta de seu ser e Thomas tenta domar sua vontade inquieta, para que obedeça-o e manifeste seu desejo. Mas está ele agora descontrolado e confuso, com seus todos sentidos desregulados, sem que possa processar normalmente.

‘Não se mexa. É para seu próprio bem. Preciso mudar sua direção!’
“Ghaaak”

Entre a tosse e força da pressão da chave e o sufocamento determinado pelas cordas, Thomas sente que vai apagar. Sua consciência nubla mais e mais. Nunca pensou que teria seu fim assim, mas achou por um segundo que talvez fosse merecido, mesmo que não desejasse a própria morte.
Então tudo fica escuro por um segundo e algo estranho acontece. As sensações ruins, as cordas lhe apertando, as mãos poderosas restringindo seus movimentos cessa e uma sensação de bem estar toma o seu ser como se fosse pleno de harmonia.

Diego não é um gigante e Júlia está à sua frente, ambos com roupas casuais, nesta tarde ensolarada da pradaria onde se encontram. Não há mais fios e todos parecem diferentes, bem como o lugar onde estão.

Diego agora tem olheiras profundas e um visual mais adulto, com barba por fazer, ainda que tente parecer jovial, expressa no seu ser a potência do líder. Júlia, com sua roupa praiana, ainda tem motivos de elos e grilhões, ainda que de tecido, ocultando o biquíni ou maiô que deve portar para se banhar. A felicidade dela, liberta, é reconfortante, ainda que uma sobrancelha se torça de maneira estranha de quando em quando.

As demais pessoas estão ao longe num lago ou rio, Thomas não tem certeza e pode deduzir que os reconhece pela suas auras, muito embora seus corpos estejam longe demais para ter certeza.

Thomas está estupefato.

Mas seus companheiros também estão e regojizam.

“Que lugar é esse?”
“Eu disse que ele conseguiria de primeira!”
‘Você disse mesmo, Júlia’
“Eu não entendo”
‘Você abriu a sua mente e veio para o Mundo à Parte. Eu não tinha certeza se iria conseguir trazê-lo para cá logo na primeira vez. Mesmo estando presos em nosso mundo habitual, podemos, ao nos livrar dos grilhões, conseguir alcançar aquilo que procuramos no fundo do coração.’
“...”
“Ele não está entendendo nada, Diego. Vamos mostrar o lugar para ele! É a primeira vez dele aqui e nem temos tanto tempo assim para passar aqui.”
‘Muito bem, senhorita. Pode falar, se acha que se expressa melhor que eu.’
A garota toma Thomas pelo braço e o puxa descendo o declive que leva ao lago.
Criaturas silfídicas passam por eles navegando pela brisa.
“Thomas, aqui é onde podemos ser livres. Podemos ser quem nós quisermos.”
“Percebo”
‘Vê as garotas voando? Foi porque elas quiseram ser assim hoje.’
“Diego, você disse que ia deixar eu falar.”
‘Desculpe.’
“Mas está certo. Podemos ser completamente diferentes por fora, mas ainda iguais por dentro, porque, nesse mundo, somos aquilo que nossos corações são!”
“Mas nós ainda somos nós mesmos”
“Sim, mas porque assim escolhemos.”
‘Mas no seu caso, Thomas, é diferente.’
“Sim.” - ela faz cara encabulada.
“...?”
‘É porque é a sua primeira vez. Eu tive que moldar sua mente para trazê-lo até aqui. Não tinha certeza se você teria força de vontade e coesão para se manter inteiro, neste mundo de sensações. Elas são muito fortes e somos facilmente levados por elas. Deve ter percebido como foi quando usei o vetor de ativação.’
“Vetor de ativação? Fala daquela coisa que pôs em mim”
‘Sim. Como era sua primeira vez, não conseguiria vir naturalmente. Então tive de usar um meio alternativo. Pensei que precisaria de mais algumas tentativas com esse método para conseguir poder vir naturalmente, mas vendo como ficou, pode vir aqui tranqüilo, sem dificuldades. Só precisa de um gatilho.’
“Porque está encabulada, Júlia?”
“Porque na nossa primeira vez somos como realmente somos. É normal ter vergonha de se expor em mostrar quem você é para nós. Eu fugi e não quis que ninguém me visse. Mas você, você é perfeito. Seu corpo tem esses tons de cores e essas auras que parecem chamas que não queimam. Mas você é muito bonito em seu eu interior. Eu estou muito feliz de ter te conhecido, Thomas!”

Ela se volta para Diego como se não quisesse ou tivesse coragem para encará-lo.

Thomas olha a si mesmo e se admira surpreso como seu eu pessoal era representado neste mundo. Como era algo de valor e respeito, mesmo para Diego, muito embora a dor do pecado repousasse em seu peito.

Isso era um sinal que era bom mentiroso ou que tinha mais em si mesmo de se orgulhar do que se arrepender...? 

A questão pairava em seus pensamentos, quando Diego dispensou-o e disse que podia se divertir, conhecendo o lugar e mais pessoas que ali estavam.

E assim sendo, foi.

>>> Se você vive olhando para o sol, não vê as sombras <<<
Helen Séllen

Thomas sentiu que sua sombra o seguia. Era aquele algo funesto dentro de si, querendo emergir e lhe causando um estranho incômodo. Desta vez ela não parecia zombeteira, mas turva, hirta. Era a isso que Júlia e Diego diziam, pensou Thomas quando sentia seu estômago embrulhar?

Vomitou chamas negras, queimando todo seu interior revolto. Sentia nas entranhas as estranhas sensações múltiplas e confusas voltando. Sua casca e percepção de mundo se tornavam difusas e a distinção de si mesmo tremeu e variou, enquanto sua mente lutava para manter a si mesmo como si conhecia.

Concentrou-se o máximo que pode; em se manter coerente. Em pensamentos bons. Na presença de Júlia. Na flor. O fogo interior. Energia. Si mesmo. Calma. Paz interior. Harmonia.

Numa olhada no horizonte, Thomas admirou novamente o tamanho do lugar em que estava. E seguiu procurando outros ali. Lá estavam os visitantes, todos eles no lago. Ninfas, sátiros e faunos; sirenes aquáticas e demais seres míticos em conluio e em desejo.

Visceralidade Voyeur. Taquicardia. Desejo. Descontrole! Tremor e sudorese. Formas e mais formas, indo e vindo. Rindo e sorrindo. Olham para ele o aguardam. Insuflam e se divertem entre si, na água e na terra. Mostram coisas que conhecia, outras que imaginava e tantas outras que jamais pensara!

A chama se acende. O coração ribomba e tantos sentimentos represados não resistem aos chamados dos sentidos. Imolando a si mesmo em sua sede insaciável, Thomas vai consumindo e sendo consumido pelo seu desejo ardente, retornando ao mundo indistinto da escuridão que tudo originou.

Este É o Mundo das Sensações e este tipo de coisa acontece ali. Estava enganado, não tem preparo para estar aqui, se desfazendo em sentimentos muito mais fortes do que conhece ou consegue dominar. Assim converte em cinzas a si mesmo e sua percepção do mundo para as trevas absolutas.

Agora deve esperar até as estrelas surgirem novamente no firmamento, para que possa renascer como uma fênix e perceber novamente que existe como si mesmo. Então, com o sol se erguendo, vivo novamente, dia após dia, Thomas renasce num vale verdejante.

Thomas está mais calmo. Ainda abalado, mas no controle. Ele se levanta e antes que faça qualquer coisa, outra voz o chama. É outro dos jovens que estava com Diego, embora não saiba o nome dele. ele está no limite da entrada do vale, parecendo que está como guia ou guardião da passagem de uma fenda ou fluxo multicor às suas costas.

‘Thomas.’
“Acho que não lhe conheço ainda”
‘Sou o Cristian. Eu vi que estava com problemas e interferi. Não se preocupe. Acontece com todos os novatos; mesmo os mais talentosos.’
“Eu, eu... eu sei o aconteceu. Mas o que você fez? O que é isso aí atrás?”
‘Não fiz nada demais. Só lhe ajudei a recuperar seus sentidos. Sua consistência espiritual é forte. Só é exagerada e mal direcionada, o que o leva a estes extremos, diante de uma emoção forte. Precisa entender que está acostumado a ter controle do seu ser. Mas isto é feito porque seu corpo ajuda a manter o equilíbrio e aqui está como apartado dele. Então sua mente destreinada é vulnerável.’
“...!”
‘Tudo está ligado. Todas essas religiões, as drogas, sessões de meditação, orações, é tudo a mesma coisa: uma ferramenta para elevar seu estado de consciência para poder sair de si mesmo e ver o mundo como ele é de verdade ou interagir com o universo... conhecer a Deus ou mesmo se tornar um. Este é nosso objetivo, nossa busca em descobrir nosso potencial!’
“Parece auto-ajuda barata. E você ainda não disse o que é essa coisa aí atrás”

Cristian se retira da frente da célula amórfica e com gestos peculiares, como se dobrasse a realidade, torce a luz projetada pela coisa e vai contendo-a e contendo-a, até moldar e formar o irmão de Júlia, Augusto. Mas quando solta-o e se afasta, ele se desfaz novamente.

‘Como eu disse, é tudo a mesma coisa. A luz que cega é a mesma que faz enxergar: Religião, drogas, meditação, oração, seja o que for que você use para aprimorar sua existência, é uma faca de dois gumes. Tanto pode libertá-lo quanto prendê-lo. Isto é o que acontece quando alguém se foca na ferramenta ao invés do objetivo.’

Thomas fecha os olhos. Não pode ver as linhas, mas pode senti-las. E sente uma linha instigante e chamativa, como se estivesse a chamá-lo. Então, sai sem se despedir, com as mãos nos bolsos. Queria dizer alguma coisa, mas simplesmente não consegue.

O vale segue num declive, cada vez mais baixo, contendo animais e vegetação rasteira. Dólmen e outras construções rochosas chamam a atenção, onde um senhor idoso de cabelos e barba branca, olha algo que talvez seja um relógio de sol.

“Você é o primeiro adulto que vejo aqui”

Ele olha rígido para Thomas.

***

Quando Thomas olhou para o senhor que acabara de encontrar não se surpreendeu apenas com a presença do único adulto nesta esfera. Sua outra surpresa era a própria presença que a figura solene emanava. Difícil de descrever tal conjunto mesclado e múltiplo de sensações, mas ele parecia exaltar a força da presença, o sacro; o antigo, primevo ou quintessencial, divino e profano; assustador e animador, digno de respeito e temor.

Quem era este senhor, pensou Thomas, como se não soubesse a resposta à própria pergunta. Enredado pela beleza do céu que descobrira há pouco, não mais enxergava o que era o céu de verdade. Assim sendo, quando tudo parece perdido, e não mais sabemos que caminho tomar na trilha do destino, eis que ele coloca em nossos caminhos quem devemos realmente encontrar para dar o próximo adiante na jornada.

“Você é o primeiro adulto que vejo aqui”

Ele olha rígido para Thomas.

“Talvez porque seja o único capaz de cometer a loucura de ir até um lugar que não pertence apenas para conseguir o que quer”
“A que se refere exatamente?”
“Ora, garoto... só mesmo alguém muito incauto ou extremamente desesperado para cometer um ato assim. Em qual dos dois você se encaixa melhor? Em qual das cartas do tarô você se encaixa melhor? O Tolo ou O Diabo?”

Thomas engole seco. A referência cíclica o perturba e o coloca na defensiva. Seus músculos rangem e se prepara para lutar se necessário.

“Eu não sei do que está falando” - mãos prontas para lutar.
“Ah, sabe sim. Aliais, esse é justamente o seu problema. Comprando indulgências para que seus pecados sejam perdoados”
“Quem é você?”
“Sou o dono das coisas que você cuida, ao qual guardar com zelo e cuidado até eu voltar. Mas traiu minha confiança pensando a si mesmo como dono, já que eu não voltava e se apoderou do que não lhe pertencia. Agora meus agentes vão lhe perseguir sem trégua se continuar a insistir na teimosia”

Desespero. Grito. Diversos vultos saem das rochas cercando o perímetro. Não vão deixá-lo fugir! Precisa fugir ou terá sido tudo em vão! Vá, corra agora que não tem poder para vencê-lo!

“Você não sabe de nada. Muito aconteceu. Desta vez vai ser diferente”
“É o que todos dizem. É o que todos dizem. É tudo ilusão como o mundo em que se vive. E ilusão é sempre fuga”
“E como posso me tornar livre?”
“Não pode. Tudo lhe ilude, lhe domina e lhe influencia. A única maneira de ser livre é não existindo. Não resista a mim e tudo ficará bem. Fugir é permitir das as chaves da sua prisão para outra pessoa, que não você mesmo”
Lágrimas de ódio, de raiva e culpa escorrem de seus olhos. Ele se vê cercado cada vez mais. Mas não quer ir com eles.
“E qual a diferença entre sua prisão e a dos outros?”
“A que você quiser, afinal, só vemos aquilo que queremos ver”
“Eu não vou com você”
“Ah, vai sim. De um jeito ou de outro, você vem comigo”

Um calafrio lhe gela a espinha. Thomas concentra toda a sua força no momento. Quando as sombras atacam, dobra sua vontade como aprendeu e escapa dos vultos, retornando correndo de onde veio, quase trazendo o coração à mão, de tão descompassado que vinha.

Todos ainda estão lá se divertindo, alimentando o prazer de estar neste lugar paradisíaco; outros realizando seu amor. Júlia apara o rapaz sem entender porque ele vinha correndo com tamanho desespero no próprio ser. Mal ela começa a perguntar o que poderia estar errado com ele num lugar tão bom como aquele que a resposta ficou marcada para sempre na visão de todos com o horror que veio a seguir.

“ESTE LUGAR É UMA DESGRAÇA”


A palavra proferida ecoa algumas vezes no ar. E então marca de forma indelével no cerne deste mundo, tornando a natureza sua natureza e propósito, por ele comandada a seguir convertendo-se em propósito o seu dito, marcada de uma forma muito mais poderosa do que ele viu ser antes.

Sua aura, antes tão bem comentada, pela jovem que muito o admirava, o viu escurecer e tornar-se um vulto sinistro, com apenas dois pontos brilhantes no lugar dos olhos, enquanto o mundo reagia à sua proclamação, reunindo pesadas nuvens de tempestade, trovejando e atraindo ventos de desastre.

A terra fende e treme, instaurando o terror nos habitantes deste outrora mundo, cujo magma ascende e os raios cortam os céus tornando clara a tragédia anunciada. A todos restava implorar pela vida e rezar que pudessem voltar vivos da experiência que um dia lhes deu tanto prazer.

Diego reage como pode, vendo estupefato como alguém que ele nunca ouviu falar ter poder para fazer o impensável. Thomas era com certeza incrível. Não sabia mais se deveria mantê-lo vivo para recrutá-lo ou matá-lo por ser perigoso demais para ser controlado.

 Quando Diego saiu de casa naquela noite, não tinha ido apenas ir ver Júlia. Tinha ouvido falar da jovem de alguém que ela considerava extraordinário e ela tinha realmente um sexto sentido para estas coisas. Ele sabia que seria alguém com bastante potencial para entrar no seu grupo seleto. Talvez até desse a honra de apresentá-lo ao chefe.

E de fato, o rapaz era tudo o que ele pensava e muito mais. Muito mais do que ele mesmo poderia esperar. Quem foi que levava a todos para o Mundo à Parte? Diego. Quem tornava seus sonhos realidade? Diego. Ainda que eles não soubessem o preço que pagavam por tudo isso, Diego regojizava em sua capacidade de erigir este local para onde os levava em algumas noites especiais e como sua habilidade modeladora o tornava quase como um deus.

Ao menos era assim que pensava. Este estranho que acabara de conhecer demonstrou uma habilidade que ele não tinha: de afetar a modelagem alheia! Isso era espantoso. Talvez ele pudesse ensinar como fazia isto. Ou talvez nem soubesse como fez, dada a demonstração crua e cruel que realizava no momento.

Ele não era mais um deus criando este mundo, mas um demônio destruindo-o. Um demiurgo! Com esta linha de pensamentos em mente, Diego se aproximou como pôde diante dos ventos de poder de Thomas que impediam a aproximação fácil de qualquer um.

Com um golpe poderoso na nuca, Diego o enfraqueceu. Thomas, completamente coberto pela capa negra, se voltou a ele e decidiu enfrentá-lo pela simples lembrança de não gostar dele, sabe-se lá por que. A verdade é que Thomas não mais estava coeso. Como na primeira vez que de decompôs, seus sentimentos voláteis de descontrolaram e seu ser se perdeu no turbilhão de sentimentos que normalmente são represados pela sua carne.

Agora, a situação era extremamente similar, com a diferença que era esta escuridão, as trevas em seu coração, a capa que continham seu ser dando forma física à ameaça que era. A luta não estava boa para nenhum dos lados. Diego era maior e mais poderoso, mas Thomas não queria se render antes de destruir tudo.

Após diversos socos, Diego sangrava bastante, resistindo como podia para manter inteiro o mundo que construiu enquanto o monstro Thomas rachava desejando aniquilar o que tentava destrui-lo. Recuando mais e mais enquanto defendia não a si próprio, mas os seus e seu ponto de vista, Diego tropeça e perde o equilíbrio. O monstro Thomas tem seu opositor vulnerável a um golpe final. Júlia não suportava ver isto. Não queria ver nenhum dos dois assim. Ela interfere na contenda, abraçando-o por trás e tocando com o âmago dela o âmago dele para que cada um lembre quem verdadeiramente é.

Ele detém o golpe final. Mas Diego não faz o mesmo, perfurando o peito de Thomas e liberando a luz aprisionada do ser dele. Derrotado, o monstro reverte ao seu ser original, enquanto a fúria dos elementos amaina. Por fim, para ter certeza do fim deste apocalipse, Diego arremessa-o no abismo que ele mesmo erigiu. Júlia grita por Thomas, enquanto Diego a detém se segui-lo.

“Diego, seu monstro, o que você fez?” - ela não consegue conter as lágrimas.
‘Eu não tive escolha. Era isso ou nossa morte.’
“Devia haver outro jeito. Por favor, Diego, diz que ele não morreu.”
‘Ele deve...’

Mas Diego não consegue terminar a sua fala um gigantesco relógio não visto começa a tocar suas badaladas de forma ensurdecedora. Não há como não ouvi-lo, esteja onde estiver.

Blém... Blém... Blém... Blém... Blém...
Blém... Blém... Blém... Blém... Blém...

A cada badalada o mundo vai estabilizando. Era o sinal de que o tempo havia acabado. A destruição e mesmo o Mundo à Parte vai se dissolvendo. As pessoas vão retornando, seguras. Quando Diego vê, Júlia e o irmão já estão indo para o quarto. Ele e os seus deveriam partir, deixando o mínimo de sinais que estiveram ali.

No sofá foi deixado o corpo inerte do Thomas. Com certeza haveria conseqüências disto e Diego não queria estar lá para enfrentá-las. E saiu logo com sua trupe.

Enquanto isto, no abismo, uma alma acabava de chegar a um lugar mais fundo do que o havia estado neste dia. Lá estava o Senhor do Submundo, o Senhor que Thomas encontrara antes, mostrando que estava certo em sua assertiva inicial. O jovem foi levado pelos asseclas de volta a cidadela murada que um dia chamou de lar.

Era exatamente como o orfanato que vivera. E que um dia incendiou. Ele ouviu um gênio lhe dizer que seu desejo fora realizado.

“Estou acordado, mas gostaria de poder voltar a dormir.”

Agora poderia dormir. Quando acordasse teria a resposta à sua pergunta.

>>> Passei muito tempo vagando até que ele veio até mim e me disse quem sou <<<
Legião Urbana.

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